A Decisão
- Olga de Gouveia
- 14 de jul. de 2024
- 3 min de leitura
Volto aqui para desabafar convosco um tema que me persegue desde muito cedo e que carrego como se fosse uma cruz.
O suícidio, sim, um tema escondido por ser quase que proíbido ou temido por ser forte demais.
E trago-vos este tema porque ontem no início dos concertos do SO recebi a notícia de que um dos meus primos tinha decidido partir, assim de livre e espontânea vontade ( mas com muito sofrimento mental de certeza absoluta para tomar essa Decisão).
Alguns de vocês que me viram pensam: mentira!! Ela dançou, divertiu-se.
Sim e sabem porquê?
Porque quando ouvi, parei 5 min e a minha cabeça ficou a mil, engoli o choro e disse: já passou!
E dancei, dancei e dancei, enquanto chorava por dentro mas eu estou viva e não posso “morrer” porque alguém decidiu tomar a Decisão!!
Esta minha perda por Decisão de alguém muito próximo começou aos meus 15 anos quando na missa de sétimo dia do meu pai alguém me diz , quase que friamente ou em tom de uma simples informação:” Já sabes? A S.. morreu!” ( A S era a minha melhor amiga)
Sabem aquela sensação de paragem cerebral? e de ficarmos em piloto automático porque não sabemos o que fazer com aquela informação?
Sim, isso mesmo, eu “morri” também naquele momento e durante alguns meses eu não existi.
Tinha acabado de perder o meu pai e sete dias depois ela, a minha S.
A S era a pessoa mais alegre da turma, a que me abraçava e dizia Amo-te amiga, em todos os períodos de férias escolares ia aos correios e enviava-me uma carta e postais a dizer o quanto tinha saudades minhas ( guardo tudo até hoje).
Ficávamos horas ao telefone, daqueles antigos de rodar os números ? Sim porque não haviam telemóveis como hoje.
Ela usava um blusão de ganga com um pin em forma de smile e todos os dias enquanto me abraçava cantava: Don’t worry Be happy do Bobby Mcferry.
Com ela aprendi o verdadeiro significado de amizade e com ela eu aprendi o poder da Decisão.
Desde então ja se me morreram, por Decisão, outras tantas pessoas que me eram bem chegadas e outras que conheci ao longo do meu percurso e que deixaram um pouco de si em mim.
A Decisão dos que foram assim de repente afeta-nos de uma maneira estonteante e deixa-nos com aquele porquê gigante na cabeça e a resposta nunca chega.
Quando a S se foi eu fiquei com a grande sensação de culpa porque deixei-a sozinha durante uma semana pelo falecimento do meu pai. Será que ela precisou de mim? será que eu a abandonei quando estava a pensar me deixar??
Mas agora eu percebo que a Decisão é algo pessoal de cada um e que mais ninguém tem culpa! Sim!! Não existe culpa nestes momentos. Nem os que decidem ir, nem os que ficam têm culpa!
E é um mito quando se diz: “Tem que se ser louco para se pensar no suicídio!”
Facto:de tempos a tempos, a maioria das pessoas tem pensamentos suicidas. A maioria dos suicídios e das tentativas de suicídio é feita por pessoas inteligentes, temporariamente confusas, que exigem muito delas próprias, especialmente se estiverem em crise.
Mito:” As pessoas que falam em suícidio não o cometem.”
Facto: 8 a 10 pessoas que tomaram a Decisão verbalizaram a sua intenção previamente.
E sobre este ultimo facto a S verbalizou a algumas pessoas na minha ausência, e ela fez parte das estatísticas.
Falo da S, mas todas as que se foram da minha vida nas mesmas circunstâncias têm a sua história e sua grande importância no meu coração.
Acreditem que falar sobre isso foi-me sempre tão difícil. Tenho 43 anos e desde os 15 que tenho o grande medo de ouvir a tal notícia, aquela que nos deixa sem chão, aquela que nos baralha a cabeça e a sensatez.
Mas fui aprendendo a lidar com a aceitação da liberdade de escolha de cada um.
O suicídio é para quem o comete uma Decisão que no momento deve ser a única libertação para o sofrimento que carregam. Seja esse sofrimento qual for, nenhum é mais pesado que o do outro.
E nós que ficamos precisamos exteriorizar o que sentimos para encontrarmos a nossa própria cura mental.
Comments